De onde vem o ciúmes? Muito se fala sobre como ele faz parte da saúde de uma relação afetiva, a menos que se torne excessivo. É a premissa de que, em um suposto grau normal, “é bonitinho/carinhoso”, “é um cuidado com o outro”, “é uma expressão do amor”. Só quando é sufocante e limitante que é um problema, afinal. Doença, quase.

Pra mim, é posse, insegurança e ego, tudo junto. Posse em algo que emana de si e se impõe ao outro: o ciúmes é uma ferramenta nada consensual e nem sempre tão sutil, de controle. Insegurança naquilo que emana do outro para você: o ciúmes pode sim ser gerado e alimentado pelo receptor, em suas atitudes e sua postura. Ego em ambos: quem o demonstra se acha merecedor de tudo do outro, quem o recebe se sente importante e necessário. Acho que é sempre limitante e sempre sufocante.

Pior: tradicionalmente, é normal o homem senti-lo. É histeria da mulher fazê-lo. E pouca coisa demonstra tão bem que seja uma ferramenta de controle, afinal.

Detesto escrever essas coisas deixando soar que seja mero observador, olhando o mundo de cima do “asteróide poliamor”. Não apenas por ser pretensioso demais, mas por que todo autor é, atrás das teclas, gente, carne e um mundo de defeitos. Ciúmes é algo que por vezes deixei me transformar em algo que hoje espero conseguir sempre conter. Como? Todo hábito parte de esforço consciente, esse não é diferente. Lembrar sempre que nada é dado sem o devido merecimento e, mais importante, todo gesto é soma, não subtração. Dar de si não significa ter menos, logo ali.

É daí, acho, que parte a compersão. A expressão (compersion) foi cunhada por poliamoristas americanos para descrever uma sensação de bem-estar gerada pela felicidade de quem se ama. É muito associada ao prazer sexual do parceiro com outras pessoas, mas vai além. Sexo grupal e poligamia já têm essa vertente de muito antes, mas normalmente indissociada da questão sentimental. Muitas vezes, a definição dada é “o contrário do ciúmes” e isso por si só soa de uma pretensão imensa. Pensando em “posse, insegurança e ego”, no entanto, acho que realmente soluciona a primeira dessas três coisas (e talvez somente ela).

Para muitas pessoas, soa falso, teatral, como se fosse impossível admirar o prazer alheio a esse ponto, de ter prazer em si. Mas há sim uma beleza na plenitude dos desejos. Se duas pessoas conseguem ser assim plenas, uma para a outra, sem sua própria dose de teatralidade, palmas para ambas. Admirável. Mas ainda acho uma responsabilidade um tanto pesada, ser O TUDO do outro. E mais do que isso, bastante improvável que esse raro fenômeno ocorra em mão dupla.

Um argumento comum contra a compersão é de que “não é tão fácil dividir”. Não mesmo. Então que tal parar de pensar em subtração (e conseqüente divisão) e trocar isso para a soma (logo, multiplicação)? Sem a responsabilidade de ser TUDO, você aprende a tentar sempre ser MAIS. A pretensão aqui é fazer soar evolutivo, de certa forma, aceitar esse sentimento. Mas o fato é que ele existe, em muitas pessoas.

Poligamia, poliamor e até voyeurismo trazem uma carga mais óbvia, disso. Mas consegue lembrar de alguma vez que você mostrou a alguém que amava algo novo e surpreendente e viu na pessoa aquele brilho no olhar? Aquele sorriso incontido? Seja uma música, um livro, um filme, uma paisagem… ali, você entendia que estava somando. Esse é um prazer que você cedeu, mais do que deu, por que mesmo sem você aquilo permanecerá. E pelo mero fato de não ter uma figura humana, você aceita… com talvez só um pouquinho de ciúmes.

compersion